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Leonardo Sakamoto

Juiz destila homofobia em decisão contra jogador são-paulino

Leonardo Sakamoto

03/08/2007 15h13

O juiz que analisou a queixa-crime do jogador são-paulino Richarlyson contra o diretor do Palmeiras, José Cirillo Jr., conseguiu fazer uma das peças mais preconceituosas, estúpidas e homofóbicas que já vi.

Richarlyson entrou na Justiça para reclamar de Cirillo, que em um programa de debate esportivo na rede Record havia insinuado que o jogador era homossexual. Sem entrar no mérito da questão, pois não importa a orientação sexual de um jogador de futebol e sim sua competência em campo (apesar de o sensacionalismo que rende audiência falar mais alto sempre…), o caso serviu para reafirmar o baixo nível de nossa magistratura.

De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo de hoje, ao arquivar a denúncia, o juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho sugeriu que, se Richarlyson fosse homossexual, "melhor seria que abandonasse os gramados". A decisão foi de 05 de julho, mas só agora veio à público pelas mãos do jornal.

Disse também que "quem se recorda da Copa do Mundo de 1970, quem viu o escrete de ouro jogando (…) jamais conceberia um ídolo ser homossexual".

"Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas forme seu time e inicie uma Federação".

Por fim, coroa o bolo de besteiras dessa forma:

"Cada um na sua área, cada macaco no seu galho, cada galo em seu terreiro, cada rei em seu baralho. É assim que penso".

É um absurdo que a essa altura da história a sociedade ainda esteja discutindo se deve ou não estender os mesmos direitos dos héteros para os homossexuais. Que, de tempos em tempos, gays e lésbicas sejam espancados e assassinados nas ruas só porque ousaram ser diferentes da maioria. Que seguidores de uma pretensa verdade divina taxem o comportamento alheio de pecado e condenem os diferentes a uma vida de inferno aqui na Terra.

Se não bastasse tudo isso, um juiz (que deveria garantir que os direitos sejam válidos a todos os cidadãos e proteger as minorias ameaçadas) vem com uma imbecilidade dessas. Age, dessa forma, não para fazer valer o Estado de Direito, mas sim para incentivar a intolerância, empurrando a sociedade à barbárie.

Infelizmente, isso não é novidade. O Poder Judiciário paulista está repleto de casos reacionários como esse. São Paulo enviou Maria Aparecida para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador (ela perdeu um olho enquanto estava presa), e Sueli pelo roubou de dois pacotes de bolacha e um queijo minas. São Paulo julga com celeridade casos de reintegração de posse para fazendeiros contra sem-terra e é moroso nos casos de desapropriação de terras griladas que deveriam retornar ao Estado.

Com uma mentalidade dessas, Manoel Maximiano Junqueira Filho não deveria ser nem juiz de futebol de várzea, quanto mais ser o guardião de leis que ele parece não compreender.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.