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Leonardo Sakamoto

Morre o coronel Erasmo Dias. Uma pena

Leonardo Sakamoto

05/01/2010 12h07

O coronel Erasmo Dias morreu, ontem, aos 85 anos. Entendo a alegria de todos os que, durante a ditadura militar, foram atropelados pelos seus cavalos ou torturados sob sua responsabilidade. Mas não deixo de dar meus pêsames pela nossa incompetência, por não conseguirmos fazer com que esse arauto da retrocesso respondesse por tudo aquilo que fez. 

De 1974 a 1979, Erasmo ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública em São Paulo (aliás, como esse cargo consegue juntar tanta gente ruim?), garantindo a ordem sob as técnicas persuasivas da Gloriosa. Ficou conhecido pela invasão da PUC-SP em setembro de 1977, ao reprimir um ato pela reorganização da União Nacional dos Estudantes.

Assim como foi na época da morte do ditador chileno Augusto Pinochet, um amigo comentou que a "justiça" finalmente havia chegado para Erasmo através do câncer que o consumiu. Discordo. O sujeito com 85 anos, morando confortavelmente, sem ter que responder pelo passado, passa dessa para a melhor e isso é "justiça"?

Não só não tivemos a competência para abrir e limpar publicamente as feridas que ele causou, como a sociedade ainda o elegeu deputado federal, deputado estadual e vereador. Parece piada, mas não é.

Outra alma ceifada tempos atrás pela mesma "justiça" foi a do Coronel Ubiratan, responsável pela execução de 111 presos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. Não é que a sociedade não conseguiu condená-lo, ela não quis condená-lo. Ele fez o servicinho sujo que muitos paulistanos desejam em seus sonhos mais íntimos, de limpeza social. Morreu em 2006, segundo a polícia, pelo gatilho de sua própria namorada. Estava a caminho de ser facilmente reeleito como deputado estadual, ironizando o país ao candidatar-se com o número 14.111.

Os dois não são casos únicos. Se escrevessemos os fazendeiros que assassinaram trabalhadores e lideranças rurais no Brasil e morreram com processos criminais (lentamente) tramitando contra eles, gastaríamos hectares e mais hectares.

Não estou com uma sanha justiceira, de maneira alguma. Mas creio que todos os que lutam para que os direitos humanos não sejam um monte de palavras bonitas emolduradas em uma declaração sexagenária não se sentiram contemplados com o passamento de Erasmo Dias, Ubiratan, ou mesmo de ditadores como Pinochet. Não quero uma saída "Nicolas Marshall", de justiça com as próprias mãos. Quero apenas que a justiça funcione. Ou, no mínimo, que a sociedade consiga saldar as contas com seu passado, revelando-o, discutindo-o, entendendo-o. Para evitar que ele aconteça de novo.

É pedir muito?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.