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Leonardo Sakamoto

Ministro da agricultura quer ser Rei do Brasil

Leonardo Sakamoto

27/01/2010 12h04

Porto Alegre – Há tempos, este blog criou o Troféu Frango para premiar declarações e situações estranhas, daquelas que assustam o imaginário popular. Hoje, o agraciado é o ministro da Agricultura e Pecuária Reinhold Stephanes.

Vamos aos fatos: O ministro, discursando a produtores rurais no Paraná nesta terça (27), reclamou que o setor agropecuário não conta com a devida atenção que merece e não usufrui do poder a que teria direito:

"Falta ao setor mais visibilidade, participação, capacidade de mobilização e de reivindicação. No sentido que, efetivamente, pela importância daquilo que ele produz, daquilo que ele representa na sociedade, ele também represente em termos de poder de decisão."

Ouvi duas vezes a entrevista que ele concedeu e demorei a crer que o ministro se referia ao agronegócio brasileiro. Pois a fala seria bem mais apropriada para descrever o universo dos trabalhadores rurais, que se esfolam para gerar a riqueza no campo ficando apenas com um pequeno quinhão do que é produzido. O setor agropecuário conta com uma elite política e econômica extremamente influente que, grosso modo, está no centro das decisões desde as capitanias hereditárias. O tripé latifúndio, monocultura e escravismo ajudou a forjar o que somos nós e nossa identidade, atravessando colônia, império, república, chegando a ter voz e assento em todos os governos pós-redemocratização.

Em seu discurso, o ministro cobrou mudanças nas propostas do 3o Programa Nacional dos Direitos Humanos que tratam da reintegração de posse de terras ocupadas. Disse que o ministro Nelson Jobim (Defesa) conseguiu o que queria porque tinha o Exército ao seu lado. Sob aplausos, afirmou que há milhares de agricultores, um exército deles, dispostos a protestar em Brasília.

Esqueceu-se de dizer que vários agricultores já possuem um exército, ou melhor, milícias com organização, treinamento e poder de fogo bem maior que os tradicionais jagunços. Essas milícias particulares, formadas por empresas de segurança ou arregimentadas por conta própria, tocam o terror no campo para garantir a manutenção do status quo.

Enquanto isso, exibições públicas de força, como o cavalo de pau de tratores no gramado do Congresso Nacional ou o bloqueio de rodovias por agricultores insatisfeitos não são raras, mas existem em menor número se comparadas com as pressões que ocorrem em corredores palacianos ou nos parlamentos. Bilhões de reais em dívidas são perdoados pelo Estado (ou seja, você, eu, nós pagando pela incompetência administrativa alheia), outros bilhões colocados em linhas de financiamento que depois não serão honradas. O de sempre: lucros são privados, prejuízos são públicos.

Rasga-se as leis ambientais, fundiárias e sociais para garantir o que o ministro chama de "sentimento de segurança", ou seja, a confortável sensação de impunidade para quem desmata, rouba terra pública, descumpre a função social da propriedade ou expulsa indígenas de suas terras. Há anos o projeto de emenda constitucional que prevê o confisco de terras flagradas com trabalho escravo está parada no Congresso por pressão da bancada ruralista, grupo de parlamentares que representam essa elite e seus objetivos.

Esse grupo é sim chamado ao debate, mas muitas vezes se furta a ele. Por exemplo, a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) foi eleita uma das três instituições delegadas da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo na conferência que finalizou o PNDH3 em 2008. Não apareceu para os debates. Depois, a direção da entidade diz que o programa foi feito sem a participação deles. Muito cômodo, é claro.

Tudo isso me leva a crer, caro ministro, que para atender o seu pleito, ou seja, dar mais poder ao agronegócio brasileiro, teremos que mudar a forma de governo. Abaixo a República e que tragam de volta a monarquia. Nesse caso, o senhor pode acabar sendo alçado à condição de rei. Ou a senadora presidente da CNA, à de rainha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.