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Leonardo Sakamoto

Chacina de Unaí completa seis anos de impunidade

Leonardo Sakamoto

28/01/2010 09h44

A Chacina de Unaí completa seis anos neste 28 de janeiro. E, até agora, não há ninguém condenado pelos assassinatos.

Em 28 de janeiro de 2004, quatro, funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego, foram assassinados enquanto realizavam uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora. O caso ganhou repercussão na mídia nacional e internacional.

Posteriormente, foram apontados como mandantes dos assassinatos os fazendeiros Norberto e Antério Mânica, que figuram entre os maiores produtores de feijão do mundo. Ambos chegaram a ser presos, mas hoje respondem ao processo em liberdade. Após isso, Antério foi eleito (2004) e reeleito (2008) prefeito de Unaí pelo PSDB, ganhando e mantendo fórum privilegiado.

O inquérito entregue à Justiça afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores. Nelson José da Silva seria o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas.

Também estão envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como "Chico Pinheiro") e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro.

No ano passado, o 28 de janeiro se tornou oficialmente o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, aprovado no Congresso Nacional por proprosta do senador José Nery. Desde terça (26), estão sendo realizadas atividades em vários estados com o objetivo de sensibilizar a população e aumentar a pressão social para erradicar a escravidão contemporânea.

Não vou dizer que é incompreensível a demora da Justiça porque infelizmente não é. A verdade é que a velocidade de funcionamento de grande parte do sistema judiciário depende de quem é o réu/acusador. Se for rico, será rápido (se ele quiser que seja rápido) ou lento (se quiser que seja lento) e será julgado conforme suas conveniências, antes ou depois dos demais acusados (se assim for melhor para sua defesa). Se for pobre, a Justiça faz o caminho inverso.

Antério Mânica disse em entrevista à Repórter Brasil que deseja que tudo isso seja resolvido logo. Aí reside o problema: o prefeito de Unaí quer seu julgamento ocorrendo antes dos supostos executores, o que facilitaria a sua defesa. Enquanto isso, o restante dos envolvidos consegue protelar o seu julgamento – recursos já chegaram até o Superior Tribunal de Justiça. O caso é difícil é complexo e, é claro, todos os cuidados devem ser tomados para não cercear o direito de ninguém à defesa. Mas… seis anos e nada de julgamento? Se isso não é ineficácia do sistema de Justiça não sei o nome disso.

Em novembro de 2008, Antério Mânica foi um condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, realizada no Palácio das Artes e "aplaudida por mais de mil convidados", como explica o site da instituição. O prêmio, que foi considerado por muitos como um desagravo, gerou indignação e mal-estar em parte da sociedade civil e dos deputados mineiros.

Como disse no ano passado, a notícia é repetida neste blog. Mas, certamente, a culpa não é minha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.