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Leonardo Sakamoto

Deputado Aldo Rebelo critica este blogueiro por defesa do Código Florestal

Leonardo Sakamoto

22/02/2010 20h55

O deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) publicou um texto em seu site reclamando das críticas que tenho feito neste blog contra suas posições nas questões indígena e ambiental. Devo dizer que isso é um grande alívio, pois pensei que ele não estivesse lendo o que escrevi… Mas parabenizo-o por ter optado pelo debate aberto. Sem um bom enfrentamento de idéias, podemos cair no obscurantismo, que interessa apenas ao status quo do progresso a qualquer custo.

O deputado vai por uma linha de raciocínio que reduz quem não concorda com ele a pessoas sacanas ou ignorantes. Ou seja, quem defende um desenvolvimento sustentável e o direito das populações tradicionais frente ao crescimento econômico sem limites age de má fé (representando interesses estrangeiros para ganho próprio) ou é ingênuo (e não percebe que está sendo usado pelo inimigo externo). Nada sobre uma terceira opção: pessoas que discordem da forma como ele vê o progresso e que acreditam que o sucesso econômico sem garantir dignidade e qualidade de vida à esta e às futuras gerações não nos serve e está fadado ao fracasso. Além do mais, um dos pilares da democracia é exatamente o direito à divergência e à sua livre expressão.

O Brasil vai alcançar seu ideal de nação não quando for o celeiro do planeta ou quando tiver um assento entre os grandes, mas no momento em que seus filhos e filhas tiverem a certeza de que não serão expulsos de suas comunidades tradicionais para dar lugar a plantações de arroz. Que não serão escravizados em fazendas de gado e cana gerando lucros no altar da competitividade. Que não precisarão cruzar os dedos para que o clima não enlouqueça e um rio invada sua casa ou seu carro.

E, deputado, convenhamos que a sua crítica sobre meu posicionamento ideológico foi um tanto quanto deslocada. Não sou filiado a nenhuma agremiação política, mas minhas posições parecem tão "conservadoras" que meus textos sobre a realidade brasileira são sistematicamente reproduzidos pelo site Vermelho, mantido pelo seu partido.

Apesar do que o deputado diz, não é a mídia a grande opositora a mudanças no Código Florestal e sim os movimentos e organizações sociais. Por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, entre outros integrantes da Via Campesina, estão presentes em atos no Congresso Nacional e em audiências públicas em todo o país, sendo contrários às posições do deputado.

Aldo Rebelo, ao buscar relações entre as atividades da Repórter Brasil e os nossos financiadores usou uma tática que já havia sido aplicada por uma senadora da bancada ruralista há três anos, quando me ameaçou com um processo por conta de um texto no blog. Mas, como expliquei na época, não é necessário investigar quais são os nossos financiadores. Nos sites dos projetos da Repórter Brasil, temos a lista deles. Ele citou que recebemos recursos do governo brasileiro. Está correto. Mas também temos apoios e convênios com ONGs e empresas brasileiras, com ONGs estrangeiras (da Holanda aos Estados Unidos), com organizações do sistema ONU e recursos oriundos de doações de pessoas físicas. Nossas contas e projetos são anualmente auditados, ao contrário de muitas contas de campanha eleitoral.

Como já disse aqui anteriormente, Aldo fala de interesses externos de olho no solo e no subsolo da Amazônia. Culpa as ONGs estrangeiras que atuam aqui por isso. É claro que existem ONGs canalhas, mas da mesma forma que empresas e governos desqualificados. Contudo, ele não fala sobre a verdadeira degradação ambiental, social, trabalhista causada por multinacionais estrangeiras que têm interesse no tipo de "progresso" pregado pelo deputado. A agenda de Aldo o consagra como um dos grandes aliados dos ruralistas e seu modelo de desenvolvimento. E não dos movimentos sociais, entidades progressistas e dos trabalhadores brasileiros – que seriam próximos de seu partido, de acordo com o próprio PC do B.

A Amazônia já está internacionalizada. E não é de agora. Parece que o deputado não atentou para o que acontece desde o último período militar ditatorial, quando a pilhagem do capital internacional corre solta pela Amazônia, Cerrado e Pantanal, passando por cima de populações tradicionais, camponeses e trabalhadores rurais como rolo compressor.

Caro deputado, estou à disposição para debatermos este assunto quando for de seu interesse.

Em tempo: Aldo menciona com orgulho sua participação decisiva na aprovação da Lei de Biossegurança em 2005, que autorizou as pesquisas com células-tronco no Brasil. À época, é importante lembrar, contrariando a posição do Ministério do Meio Ambiente, a ação de Aldo conseguiu também que a lei aumentasse os poderes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para que pudesse liberar comercialmente variedades transgênicas no país.

Desde então, a comissão liberou quatro variedades de soja, 11 de milho e sete de algodão transgênicos. Nove variedades são da multinacional Monsanto, três da multinacional Bayer, quatro da multinacional Syngenta, duas da multinacional Dow Agroquímica, e uma da multinacional Basf (com parceria da nacional Embrapa). Em 2007, as liberações dos milhos transgênicos Liberty Link, da Bayer, e MON 810, da Monsanto (proibido na França, Áustria, Grécia, Luxemburgo, Hungria, Itália, Polônia e Alemanha), foram questionadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que apontaram erros nos pareceres técnicos que fundamentaram as aprovações. Claro, as liberações não foram revertidas, a despeito do risco que isso pode trazer à biodiversidade nacional. Mas generosamente, o Brasil rendeu à Monsanto, de acordo com a revista Exame, US$ 783,9 milhões em vendas em 2006, US$ 899,2 milhões em 2007 e US$ 954,8 milhões em 2008.

Com o que daria para comprar, certamente, muitas vacas. Holandesas ou brasileiras.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.