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Leonardo Sakamoto

Uma vida sem pedreiros, cortadores de cana e faxineiros

Leonardo Sakamoto

19/03/2010 13h49

Não é novidade que, apesar da economia estar crescendo e vagas sendo abertas, o país não tem profissionais capacitados para atender à demanda do mercado (ah, a educação…) Uma reportagem exibida hoje no Bom Dia Brasil, da Globo, mostrou como a disputa por mão-de-obra qualificada tem feito com que o ganho líquido de um pedreiro seja, em alguns casos, quase o dobro que o de um engenheiro recém-formado. Particularmente, não acho que isso deveria assustar, mas isso é outra história.

Chamou a atenção uma declaração do presidente do CREA de Minas Gerais, Gilson Queiroz Filho, à rede de TV: "A avaliação é geral, principalmente, o Nordeste que era um grande fornecedor de mão-de-obra para Sudeste, Sul, hoje tem muita atividade. As pessoas estão se fixando naquela região e não vêm mais para atender a construção civil". Não creio que ele tenha usado um tom negativo em sua fala, apenas feito uma constatação. Mas já ouvi muita gente verificar a mesma situação e reclamar da diminuição do volumoso estoque de braços nordestinos baratos que sempre esteve à disposição para o serviço aqui no Sul Maravilha. A floresta de concreto plantada em São Paulo cresceu regada ao baixo custo dessa força de trabalho e nem sempre tratando os filhos adotivos com o respeito que mereciam.

Para esse pessoal, problema maior não é a falta de mão-de-obra especializada, mas sim a redução no estoque de pessoas procurando qualquer emprego. Com muita gente disposta a trabalhar e poucas vagas, a remuneração oferecida e a qualidade de vida do trabalhador vão lá embaixo. Quando o número diminui, o custo do trabalho aumentam. Viva a lei da oferta e da procura.

É cedo para falar em processos duradouros e sustentáveis, mas será ótimo se chegar o dia em que teremos que desembolsar mais e garantir melhores condições a categorias historicamente maltratadas para contar com os seus serviços. Pedreiros, cortadores de cana, faxineiros, empregados domésticos só aceitariam empregos se fossem justamente remunerados e tratados sem preconceito. É utópico, eu sei, mas se o norte for o conformismo, a barbárie vai triunfar.

Quero ver aguentarmos um dia sem eles.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.