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Leonardo Sakamoto

"Vagabundo que faz greve deveria ser demitido"

Leonardo Sakamoto

27/03/2010 22h19

"Vagabundo que faz greve deveria ser demitido."

Ouvi essa frase algumas vezes nos últimos dias, com algumas variações, por conta da greve dos professores da rede estadual de São Paulo. Sendo que as piores versões são aquelas proferidas por inflamados comentaristas de TV e por indignados políticos. E, é claro, ela nunca vem sozinha: passeata na Avenida Paulista que atrapalha o trânsito? Cacete neles! Protesto perto do palácio do governo? Cacete neles! Onde já se viu? Essas pessoas têm que saber seu lugar.

Sindicatos não são perfeitos, longe disso. Assim como ocorrem em outras instituições, eles possuem atores que resolvem voltar-se para os próprios umbigos e tornar a busca pelo poder mais importante que os objetivos para o qual foram eleitos. Contudo, graças à organização e pressão dos trabalhadores, importantes conquistas foram obtidas para civilizar minimamente as regras do jogo – não trabalhar até a exaustão, descansar de forma remunerada, ter salários (menos in)justos, garantir proteção contra a exploração infantil. Direitos estes que, mesmo incompletos, são chamados por alguns empregadores de "gargalos do crescimento".

Apóio os professores. Apóio os controladores de vôo. Apóio os cobradores e motoristas de ônibus. Apóio os bancários e metalúrgicos. Apóio os garis. Apóio os residentes médicos. Apóio o santo direito de se conscientizarem, reconhecerem-se nos problemas, dizer não à exploração e entrar em greve até que a sociedade pressione e os patrões escutem. Mesmo que a manifestação deles torne minha vida um absurdo.

Protestamos contra o presidente da República para defender o direito à greve (de fome) de dissidentes cubanos e discordamos do direito à greve daqueles que ensinam nossos filhos? Coerência é realmente um item cada vez mais escasso hoje em dia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.