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Leonardo Sakamoto

Hoje é Dia do Meio Ambiente. Comemorar o quê?

Leonardo Sakamoto

05/06/2010 10h03

Hoje é o Dia Mundial do Meio Ambiente. Até aí, nada a comemorar.

Os ruralistas (antigos e novos) estão em campanha aberta no Congresso Nacional para alterar o Código Florestal, facilitando a expansão agropecuária não-sustentável e jogando para a legalidade, via canetada, quem desmatou de forma ilegal. Sob a justificativa da soberania do desenvolvimento, estão ligando o tic-tac de uma bomba que afetará a própria produção agrícola nas próximas décadas – ou a alguém ainda acha que água, por exemplo, é recurso renovável?

Poderíamos somar à lista de problemas socioambientais travestidos de solução nacional para a pobreza (empacotado dessa forma, o produto fica atrativo, vende melhor com o povão…), as obras de grandes hidrelétricas, como as de Santos Antônio e Jirau (em Rondônia) e, Estreito (no Maranhão) e brevemente, Belo Monte, no Pará. Mas também o asfaltamento de rodovias na Amazônia que servem de vetores ao desflorestamento, a construção de portos causando danos a manguezais, o fomento a usinas termelétricas, enfim. Estou enumerando apenas os impactos causados por ação direta do Estado que, em tese, tem a responsabilidade de garantir a qualidade de vida a esta e às próximas gerações. Mas que, ao invés disso, tem sido vetor de terra arrasada.

E vendo os discursos não só dos dois candidatos que, provavelmente, irão despachar no Palácio do Planalto, mas também daqueles que almejam os governos estaduais, o mais provável é que essa forma de pensamento/ação siga sendo o nosso norte. Este é um país que vai pra frente, não nos esqueçamos disso.

Já compatilhei várias vezes com os leitores deste blog uma hipótese: a de que vivemos um momento de choque geracional. O discurso de que o desenvolvimento é a peça-chave para a conquista da soberania (o que concordo) e que, portanto deve ser obtido a todo o custo (o que discordo) tem sido usado por pessoas que foram comunistas/socialistas, tornaram-se líderes partidários e hoje fazem coro cego ao santo padroeiro do crescimento. Mantém viva a parte ruim do pensamento do genial Celso Furtado que, na prática, significa que é necessário sacrificar peões para ganhar o jogo. Do outro lado, os movimentos sociais e a sociedade civil que atuam nesse campo defendem que o crescimento não pode ser um rolo compressor passando por cima de pessoas e do meio ambiente. Por suas ações, que impedem um laissez-faire generalizado, são taxados de entreguistas e de fazerem o jogo do capital internacional. Presenciamos isso nas críticas levantadas contra o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), quando ele ocupa hidrelétricas, ou nos impropérios lançados às comunidades que protestaram contra as obras de transposição de parte das águas do São Francisco. Eu mesmo já fui chamado de vaca holandesa por um nobre deputado por conta disso.

É claro que os países do centro querem que nós arquemos com o ônus da preservação do planeta. O mercado de carbono, na prática, é isso: compra-se créditos de terceiros (que vão adotar práticas ou projetos que absorvam carbono da atmosfera) para que se possa poluir. Ao mesmo tempo que isso acontece, esses países se beneficiarão do alargamento da já grande distância de desenvolvimento entre o centro e a periferia. Mas o atual modelo, em plena vigência no Brasil, tem um potencial destruidor muito grande, além de ser extremamente concentrador. Ou seja, o resultado da pilhagem dos recursos naturais e do trabalho humano, mantendo o padrão adotado até aqui, continuará nas mãos de poucos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros.

Há um enfrentamento dentro da própria esquerda, mas o problema é que isso está no contexto histórico em que os diferentes atores foram formados. Não adianta mostrar fatos novos ou uma nova luz para a interpretação da realidade, há grupos que fecham e não abrem com o padrão de desenvolvimento forjado na ditadura – paradoxalmente a mesma ditadura que os torturou. A meu ver a solução se dará através de renovação geracional, ou seja, os mais antigos se retirando com a idade para dar lugar aos mais novos. É triste que seja assim, mas tendo em vista os últimos embates, não acredito em conciliação possível.

Neste 5 de junho, abrace uma árvore e salve um tatu. Ou, melhor, faça valer seu direito de escolha e exija do seu candidato ou candidata um programa de governo ou plataforma legislativa que não jogue o futuro dos seus filhos na lata do lixo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.