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Leonardo Sakamoto

Qual a relação entre a alta do PIB e o Código Florestal?

Leonardo Sakamoto

09/06/2010 08h30

Qual a relação entre o crescimento do Produto Interno Bruto de 9% e as propostas de mudanças no Código Florestal apresentadas ontem no Congresso Nacional? O setor agropecuário não foi o que mais cresceu, mas galgou 5,1% no primeiro trimestre deste ano em comparação ao mesmo período de 2009. Ainda falta um tanto para recuperar a situação pré-crise, o que é apenas questão de tempo. Contudo, a bancada ruralista na Câmara dos Deputados parece ter ficado com ciúmes do salto dado pela indústria (17,2%) e uma de suas lideranças, Aldo Rebelo (PC do B-SP), resolveu dar um empurrãozinho: propôs no mesmo dia a redução da proteção ambiental no Brasil para facilitar a expansão agropecuária.

O relatório de Aldo já estava sendo gestado há um bom tempo, mas a coincidência na divulgação entre ele e o PIB é surpreendentemente reveladora. Em nome do crescimento econômico no campo, o seu relatório propõe redução de reserva legal, perdão a quem cometeu crimes ambientais, diminuição do cuidado com rios e córregos, a possibilidade de produzir em determinadas várzeas, além de jogar a conta da recuperação ambiental nos colos de todos nós – sem que os lucros obtidos com o desmatamento também sejam socializados. Ou seja, a idéia é crescer, a todo o custo e rápido. Para isso, que se soltem as amarras do rolo compressor.

O mais interessante de tudo isso é que crescimento da produção no campo não precisa vir com o crescimento da área agrícola. Hoje o jornal Folha de S. Paulo traz uma matéria mostrando que mesmo semeando uma área 1% menor em relação à safra passada, o Brasil vai colher 147 milhões de toneladas de grãos – 9% a mais que o período anterior. O mesmo se deu com a mamona, cuja área plantada diminuiu 2% e a produção cresceu 19%. Poderíamos racionalizar a produção de uma maneira mais rápida. A pergunta é: queremos isso?

Adotamos uma pecuária extensiva que garante aos bois espaço para se espreguiçar enquanto milhares de famílias acampam na beiras das estradas esperando terra para produzir alimentos. Ou seja, não é uma apenas uma idiotice social, é também econômica. Mas ganha-se muito dinheiro com o processo de grilagem de terras, desmatamento, venda de propriedades, além do fato de que a recuperação de áreas degradadas ter um custo. Custo: palavrinha mágica que transforma a razão em pó.

O discurso de que o desenvolvimento é a peça-chave para a conquista da soberania (com o que concordo) e que, portanto deve ser obtido de qualquer maneira (com o que discordo) tem sido usado por pessoas que foram comunistas/socialistas, tornaram-se líderes ruralistas e hoje fazem coro cego ao santo padroeiro do crescimento. Não se preocupam que a qualidade de vida de povos e trabalhadores no campo seja sacrificada para ganhar o jogo, paradoxalmente acham o contrário: que cortando as regras que nos separam da barbárie é que virá a civilização.

Ao mesmo tempo, o governo federal anuncia um plano safra de mais de R$ 100 bilhões. E por mais que tenham sido impostos alguns critérios socioambientais para a concessão de financiamento, vendo o histórico até aqui, pode-se afirmar que os recursos serão empregados em mais desmatamento ilegal. Com a anuência de um novo Código Florestal, que ainda não existe, mas que já virou bíblia de muita gente.

Por que tudo isso? Ora! Estamos na Semana do Meio Ambiente. E esse é o jeito brasileiro de comemorar!

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.