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Leonardo Sakamoto

Ponto eletrônico e o respeito pelo tempo trabalhado

Leonardo Sakamoto

27/07/2010 23h32

Toda vez que bater o ponto, o trabalhador terá de receber um comprovante impresso com o horário em que iniciou ou encerrou a sua jornada de trabalho. A mudança faz parte da regulamentação definida pelo governo federal para o ponto eletrônico, aquela maquininha que registra quando alguém entra e sai de mais um dia de trabalho, e está no cotidiano de milhares de empresas e de milhões de empregados.

Já tratei do assunto no ano passado, mas vale a lembrança pois, agora, o negócio passa a valer. Poucos sabem, mas podem estar sendo enganados na batida do cartão. Em muitos casos, tempo de trabalho tem sido comido pelo patrão, que regula a máquina para que ela registre menos do que o trabalhado. E, até agora, quem já tinha percebido isso não conseguia comprovar.

Nesta terça (27), foi publicada a instrução normativa que regula a fiscalização ponto eletrônico, prevista para começar no dia 26 de agosto. No início, haverá visitas com função pedagógica. Depois, multas. O auditor fiscal poderá verificar irregularidades no registro eletrônico como a ausência ou redução de intervalos de jornada, a realização de horas-extras além do permitido ou sem remuneração equivalente, a concessão de descanso semanal, entre outros.

Ao longo do tempo, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho receberam muitas denúncias relacionadas a fraudes nos sistemas de ponto eletrônico utilizados por grandes empresas como magazines varejistas e redes de supermercados. Denúncias formuladas por trabalhadores e sindicatos, que revelaram fraudes, em especial com a finalidade de reduzir as horas extras.

Foram encontrados programas de controle de ponto eletrônico que permitiam que o empregador, por meio de senhas, tivesse acesso posterior às marcações dos empregados e pudesse – inclusive – alterar horários de entrada e de saída, além dos intervalos para repouso e alimentação. Ou seja, depois que você bateu o cartão, alguém vai lá e diminui o seu tempo de trabalho. Outros sistemas propiciavam ao empregador configurar o sistema para a marcação de ponto somente em horários pré-determinados. Com isso, o empregado fica impedido de registrar o horário real de entrada e saída.

Verificou-se que alguns fabricantes desenvolviam sistemas que geravam batidas automáticas, mesmo sem que o ponto fosse batido. Esses sistemas faziam a marcação automática do horário com minutos a mais ou a menos (17h04 e 16h58, para jornadas que terminam às 17h, por exemplo), de forma aleatória, para parecer mais "real" e não configurar o chamado "ponto britânico". Uma rede de supermercados confessou a um juiz no Rio Grande do Norte que alterava "para o bem" as marcações.

Várias faziam anúncios das "vantagens" sem nenhum constrangimento. Uma das fabricantes chegou a enumerar perguntas para demonstrar os benefícios do produto: "O funcionário pode contestar a marcação do ponto? Não, uma vez que o funcionário assinou o espelho do cartão não mais poderá contestar a validade de suas marcações", prometia. "É possível alterar a marcação feita pelo funcionário? Sim, é possível. Existe uma função destinada ao administrador do ponto que através de uma senha faz as correções e abonos necessários em todas as marcações efetuadas por seus funcionários". As informações são procedentes de uma extensa investigação realizada pelo pessoal aqui da Repórter Brasil no ano passado.

Outra destacava a marcação de ponto somente em horários pré-determinados como um ponto forte do seu produto e tinha até manual de como fazer as alterações. "Basta ter a senha de acesso para adicionar ou modificar horário e até excluir marcações". Havia fabricantes que preferiam recorrer à questão das ações trabalhistas para chamar atenção no mercado. "Custa menos que uma ação trabalhista, geralmente movida pela falta de controle efetivo de seu funcionário. O sistema permite o desconto de horas extras de forma total ou parcial", advertia a empresa, sem receio de punições.

Apesar da chiadeira de alguns empresários (reclamando que a implantação do sistema vai gerar custos e filas) é saudável toda a ação que vem no sentido de disciplinar e dar transparência às relações entre capital e trabalho.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.