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Leonardo Sakamoto

Nas próximas eleições, precisamos da Lei da Abobrinha

Leonardo Sakamoto

03/09/2010 08h33

A Lei da Ficha Limpa se tornou peça-chave nesta eleição. Por isso, tomando carona em seu sucesso, seria ótimo se também tivéssemos uma Lei da Abobrinha. Com ela, aqueles que disseram barbaridades contra os direitos fundamentais durante seu mandato teriam que se justificar diante da Justiça Eleitoral antes de disputarem mais um cargo público. Afinal de contas, não estamos falando de qualquer ofensa, mas sim de soterrar aqueles preceitos que garantem um mínimo de dignidade ao ser humano. Certamente, isso iria controlar a espada afiada que muitos têm entre os dentes e que, vira e mexe, corta e mutila mais do que a violência física. Muitas vezes sob o véu da imunidade que recobre o púlpito nos parlamentos.

OK, OK. Errar é humano. Fazemos besteira a toda a hora e não nos damos conta disso – da mesa de bar às festas de família, elas são perdoadas pelo fato das pessoas à nossa volta se darem conta de que aquilo era, simplesmente, besteira. Mas alguns erros, por sua natureza bizarra, a importância social de seu autor e a certeza de que arrependimento é algo que passou longe de sua cabeça, merecem ser lembrados. Selecionei alguns exemplos do que já foi publicado neste blog e vou trazer mais nos próximos posts. Há uma capivara de casos que foram relatados pelos colegas jornalistas nos últimso quatro anos.

Em 27 de março de 2007, o vereador paulistano (hoje candidato a deputado federal) Agnaldo Timóteo (PR-SP) defendeu a exploração sexual juvenil.  Ele havia subido à tribuna para criticar a forma como estava sendo feito o combate ao turismo sexual. Para ele, o visitante que vem ao país atrás de sexo não pode ser considerado criminoso. "Ninguém nega a beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16 anos botam silicone, ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o cara, se encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A moça tem consciência do que faz", declarou. "O cara [turista] não sabe por que ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto." Para Timóteo, há "demagogia e frescura": "Meninos de 16 anos votam, transam, constituem família. E meninas não deixam de fazer sexo. Sexo é bom."

Claro! Cada um no seu lugar. Meninos votam, meninas fazem sexo…

Outro exemplo: Centenas de trabalhadores e patrões lotaram, em agosto do ano passado, a Câmara dos Deputados para acompanhar os acalorados debates sobre o projeto que prevê a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, com aumento do valor da hora extra e sem redução salarial. Em entrevista à rádio CBN, Nelson Marquezelli (PTB-SP, candidato à reeleição como deputado federal, defendeu que os deputados devem manter a jornada do jeito em que está para evitar que os empregados aproveitem as horas a mais de lazer para encher a cara:

"Se você reduzir a carga horária, o que vai fazer o trabalhador? Eles [os defensores da mudança na lei] dizem: vai para casa para ter lazer. Eu digo: vai para o boteco, beber álcool, vai para o jogo. Não vai para casa. Então, você veja bem, aí é que tá o mal: ele gastar o tempo onde ele quiser, se nós podemos deixá-lo produzindo para a sociedade brasileira."
Preste atenção neste trecho "ele gastar o tempo onde ele quiser, se nós podemos deixá-lo produzindo para a sociedade brasileira". Ou seja, nós, os iluminados, temos o dever de manter esses indolentes perdidos acorrentados ao trabalho.

Somos um povo politicamente desmemoriado. Prova disso é que todo mundo que rasgou com suas palavras os direitos mais básico do brasileiro, como a dignidade, não serão questionados pelos eleitores por conta disso. Ou melhor, receberão um salvo-conduto para repetir o que disseram a partir do ano que vem sem um pedido de explicações.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.