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Leonardo Sakamoto

Vai ser duro encontrar alguém eleito sem rabo preso

Leonardo Sakamoto

06/11/2010 09h02

Quando fui ao Jóquei pela primeira vez, perguntei se seria possível apostar em todos os cavalos ao mesmo tempo – no que levei um didático e explicativo pescotapa de amigos mais experientes no assunto.

Talvez por isso, traumatizado, receie um pouco em questionar em público o motivo de, ora bolas, grandes empresas doarem dinheiro para diferentes candidatos que disputam o mesmo cargo nas eleições. Em outras palavras, apostam no Batman e no Coringa, no Superman e no Lex Luthor, no Scooby-Doo e nos Fantasmas, no Tico e no Teco – sem juízo de valor para com os candidatos, é claro. Qualquer um pode ser o Tico e o Teco. E, no caso brasileiro, o Superman não necessariamente é o mocinho. Muitas vezes, o Pinguim é mais honesto.

As grandes empreiteiras, por exemplo. Vendo as prestações de contas dos candidatos que venceram no primeiro turno das eleições e que estão disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral para qualquer pessoa se divertir, é possível constatar que 2010 foi mesmo uma festa da democracia. Olha, coisa bonita de se ver a construção republicana que essas empresas de cimento, pedra e vergalhão ergueram ao financiar as candidaturas de políticos de diferentes matizes! Bancaram até candidatos ditos verdes, veja só! Só um espírito verdadeiramente altivo ignoraria diferenças partidárias e injetaria recursos em campos opostos para possibilitar a compra de santinhos, adesivos, banners, faixas, gasolina, diárias de hotel, salário de marqueteiro e deixar correr o livre debate público. No final, apostaram no cavalo vencedor. Mas quem se importa com isso, não é mesmo?

Teoricamente, o ato de doação é um indício de que o doador comunga das propostas do candidato, deseja que ele o represente politicamente, seja por suas idéias, seja por sua classe social ou quer criar com ele um vínculo por meio desse apoio em campanha. Alguns eleitos mantém apenas diálogos cordiais com os financiadores (do tipo, "obrigado, mas fiquemos a uma distância de segurança para não pegar sapinho"), outros literalmente "pagam" através de serviços prestados. Não tanto pelo passado, mas para garantir o financiamento de amanhã. Entre as duas pontas, há muitas gradações.

Não estou querendo fulanizar a questão neste post porque são muitos os nomes. E os colegas da imprensa já estão fazendo um trabalho formidável ao relatar em matérias financiadores e financiados – relatos que vão se mutiplicar até o começo do ano.

Mas gostaria de aproveitar o clima em que os confetes e as serpentinas da democracia ainda estão esparramados pelo salão eleitoral para dar uma sugestão demagógica, porém divertida: que tal os senadores e deputados eleitos com recursos de empreiteiras serem impedidos de participarem de comissões e quaisquer ações no Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e Câmara Distrital que envolvam discussão ou fiscalização das obras para a Copa de 2014 ou para as Olimpíadas de 2016? Se toparem irem mais longe, sugiro incluir também as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Que tal, hein, hein?

Perguntinha: se um investimento passa a não dar retorno, ele deixa de ser investimento?

Há aqueles candidatos, de diferentes partidos, de progressistas a conservadores, que não aceitam doações de pessoas jurídicas. São chamados de idiotas porque não teriam percebido que o mundo é outro e não se faz polílica sem muito dinheiro e sem empresas fluindo rios de recursos.

É outro porque nós permitimos que as eleições se tornassem um turfe. Ou melhor, um cassino sem regras, uma grande mesa de fundos de investimentos futuros. Ou viramos o jogo ou será impossível encontrar alguém que ganhou uma eleição sem rabo preso nesse país. Não estou aqui defendendo necessariamente o financiamento público de campanha ou coisa que o valha, mas pedindo para que todos não torçam o nariz quando ouvirem falar desse tipo de debate, fundamental para o futuro da nossa democracia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.