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Leonardo Sakamoto

Sintomas trabalhistas em transição de governo

Leonardo Sakamoto

30/11/2010 12h07

O governo Dilma deve começar agitado no mundo do trabalho. Há sinais trazidos à tona neste período de transição mostrando que, mesmo com uma geração recorde de empregos formais, essa área será quente.

Em discurso, Lula lembrou publicamente dos "obstáculos" que os países desenvolvidos impõem contra os produtos brasileiros, como o etanol e a carne bovina, por conta de denúncias de trabalho escravo e infantil – e "esqueceu" que realmente nós temos trabalho escravo e infantil nessas cadeias produtivas, crimes que o próprio governo federal reconhece e vem combatendo. Em entrevista à revista Isto é Dinheiro, Marcos Jank, da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) pediu mudanças na legislação que trata do combate ao trabalho escravo porque acha a legislação sobre o tema "vaga", o que acabaria prejudicando as empresas (apesar das normas detalhadas e leis claras sobre o assunto). A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil e sindicatos a ela atrelados dão declarações no sentido da necessidade urgente de retirar entraves para o crescimento econômico e suspender a perseguição contra quem produz as riquezas do país…

Vale lembrar que, como informou matéria do jornal Valor Econômico de 10 de novembro ("Para empresas, motivação é 'colaborar com democracia'"), os grandes doadores de campanha possuem uma pauta negativa quanto à legislação pensada para proteger os trabalhadores. Parte do setor sucroalcooleiro, por exemplo, é contra a PEC 438/2001 – que prevê o confisco das terras em que escravos sejam encontrados e sua destinação para a reforma agrária, que está empacada no Congresso por conta da ação da bancada ruralista. Do setor de alimentos, vem reclamações contra o PL 6232/2009, que propõe a redução de jornada de trabalho nessa indústria. E há aqueles no setor de bancos que não vêem com bons olhos o PLP 246/2005, que os proíbe de concederem financiamento a quem empregar crianças e adolescentes em trabalho noturno, perigoso ou insalubre. E por aí vai.

Some-se a isso a campanha levada a cabo por parte dos empresários e dos próprios trabalhadores contra o ponto eletrônico. No Congresso, propostas foram criadas para barrar o projeto, que já teve sua implantação adiada. Aliás, ouvi até especialista dizer que vivemos um momento em que contar horas trabalhadas perde em importância diante dos processos tecnológicos que estão adaptando o serviço à vida do empregado e ao seu bem-estar. Faz-me rir.

O Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho receberam muitas denúncias relacionadas a fraudes nos sistemas de ponto utilizados por grandes empresas, em especial com a finalidade de reduzir as horas extras computadas. Foram encontrados programas de controle de ponto eletrônico que permitiam que o empregador, por meio de senhas, tivesse acesso posterior às marcações dos empregados e pudesse – inclusive – alterar horários de entrada e de saída, além dos intervalos para repouso e alimentação. A idéia de um ponto eletrônico, que imprime um comprovante de papel pode ser anacrônica no início da segunda década do século 21, mas mais anacrônico ainda são as formas de exploração do trabalhador. Se o sindicato é forte, consegue fazer um acordo com garantias melhores. Mas quantos sindicatos fortes temos por aí?

Esse assunto não se esgota aqui, uma vez que a quantidade de problemas é imensa. A questão trabalhista não deve se limitar à geração de emprego formal, mas incluir a qualidade e a dignidade do trabalho. Na luta pela sobrevivência diária, nos esquecemos disso. Esperemos que Dilma, no sentido de garantir governabilidade, não rife esse mínimo. Até porque a corda arrebenta primeiro para o lado do mais fraco.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.