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Leonardo Sakamoto

Se você se matar por minha culpa, não venha me culpar

Leonardo Sakamoto

06/05/2011 16h04

Matéria divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo:

Foxconn exige que funcionários assinem termo antissuicídio, diz jornal
A empresa taiwanesa Foxconn, que fabrica o iPhone e o iPad, da Apple, está exigindo que funcionários novos na China assinem um termo em que se comprometem a não responsabilizar a companhia caso cometam suicídio, de acordo com reportagem do "Daily Mail".

Nos últimos 16 meses, suicidaram-se pelo menos 14 funcionários da empresa, que planeja montar o iPad e o iPhone no Brasil. Segundo o jornal, pesquisadores descobriram que, após a série de mortes, gerentes da Foxconn ordenaram que novos funcionários assinassem o termo.

"Em caso de ferimentos não acidentais (incluindo suicídio, automutilação etc.), eu concordo que a empresa agiu de acordo com as leis e as regulamentações aplicáveis, e que não vou fazer demandas excessivas, tomar ações drásticas que prejudicariam a reputação da empresa ou causar problemas que prejudicariam as operações normais", diz o documento, traduzido pelo site Shangaiist.

Tipo, se você se matar por conta das condições de trabalho que te impomos, não venha nos culpar.

Antes que perguntem, uma cláusula dessas por aqui seria facilmente desconsiderada pela Justiça do Trabalho se ficasse provado que as condições levaram ao óbito dos empregados.

A Foxconn, de origem taiwanesa também responsável pela fabricação de produtos como PlayStation, Wii e Xbox, além de celulares para diversas marcas, declarou que planeja investir US$ 12 bilhões no Brasil para ampliar seu parque industrial. O projeto envolveria 100 mil empregos.

Se bobear, a empresa poderia conseguir de volta todo esse investimento apenas cobrando direitos autorais pela cláusula. Olha que coisa bonita:

"Em caso de ser vítima de trabalho escravo; de ser obrigado a realizar serviços que coloquem em risco a minha vida; de sofrer assédio moral ou preconceito de gênero, cor de pele ou etário no local de trabalho; de receber menos que o mínimo da minha categoria; eu concordo que a empresa agiu de acordo com as leis e as regulamentações aplicáveis, e que não vou fazer demandas excessivas, tomar ações drásticas que prejudicariam a reputação da empresa…"

Mas sugiro à Foxconn patentear rápido a idéia, pois já vi muito contrato de gaveta bizarro tentando ser usado como justificativa para evitar o pagamento de direitos trabalhistas por aqui.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.