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Leonardo Sakamoto

Líderes de projeto extrativista são assassinados no Pará

Leonardo Sakamoto

24/05/2011 16h08

José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foram emboscados em uma estrada por pistoleiros e executados com tiros na cabeça. Zé Cláudio ainda teve uma orelha decepada e levada pelos seus assassinos, provavelmente como prova de que o serviço foi realizado.

Esse tipo de informação não é apenas triste, mas gera uma revolta grande. Pois ao invés de procurar formas de replicar modelos de sucesso, como esse, o Brasil está discutindo maneiras de passar por cima de suas riquezas naturais e da qualidade de vida das populações que os mantém. No Congresso e em entidades agropecuaristas que defendem um modelo de produção ultrapassado, usa-se como justificativa para alterações na legislação brasileira um suposto resgate da dignidade dos trabalhadores rurais. Sendo que estes continuam sendo mortos por defender o oposto a uma produção de grande escala, de monocultura e voltada para exportação.

Independentemente do resultado da votação do Código Florestal na Câmara dos Deputados, espero que os senhores e as senhoras congressistas estejam felizes com o que fizeram. Afinal de contas, por manter as mesmas políticas de sempre, privilegiando os mesmos de sempre, tornam-se, diariamente, co-responsáveis pelos frutos que caem da árvore de forma precoce na Amazônia.

Nota divulgada pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas:

Maria do Espírito Santo da Silva e José Claudio Ribeiro da Silva, líderes do Projeto Agroextrativista (Paex) Praialta-Piranheira, foram assassinados na manhã desta terça-feira (24), a 50 km do município de Nova Ipixuna, Sudeste do Pará, na comunidade de Maçaranduba.

As ameaças contra a vida do casal de extrativistas começaram por volta de 2008. Segundo familiares, desconhecidos rondavam a casa de Maria e José Cláudio, geralmente à noite, disparando tiros para o alto. Algumas vezes, chegaram a alvejar animais da propriedade do casal. O momento das intimidações coincidiu com a denúncia dos líderes extrativistas contra madeireiros da região, que constantemente avançam na área do Paex, para extrair espécies madeireiras como castanheira, angelim e jatobá.

Para Atanagildo Matos, Diretor da Regional Belém do CNS, a morte de José Cláudio e Maria da Silva é uma perda irreparável. "Eles nos deixam uma lição, que é o ideal dos extrativistas da Amazônia: permitir que o 'povo da floresta' possa viver com qualidade, de forma sustentável com o meio ambiente", diz Matos. "Já estamos em contato com o Ministério Público Federal, Polícia Federal e outras instituições. Apoiaremos fortemente as investigações, para que esse crime não fique impune", afirma o Diretor do CNS.

Maria e José Cláudio viviam há 24 anos em Nova Ipixuna. Integrantes do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), ONG fundada por Chico Mendes, foram um exemplo para toda a comunidade. Desde que começaram a viver juntos, mostravam que era possível viver em harmonia com a floresta, de forma sustentável. "O terreno deles tinha aproximadamente 20 hectares, mas 80% era área verde preservada", conta Clara Santos, sobrinha de José Cláudio Silva. "Eles extraíam principalmente óleos de andiroba e castanha, além de outros produtos da floresta para sua subsistência. Graças à iniciativa dos meus tios, atualmente o Paex Praialta-Piranheira tem um convênio com Laboratório Sócio-Agronômico do Tocantins (LASAT – Universidade Federal do Pará), para produção sustentável de óleos vegetais, para que os moradores possam sustentar-se sem agredir a floresta", revela Clara.

O Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta Piranheira situa-se à margem do lago da hidrelétrica de Tucuruí. Foi criado em 1997 e possui atualmente uma área de 22 mil hectares, onde encontram-se aproximadamente 500 famílias. Além do óleos vegetais, o açaí e o cupuaçu, frutas típicas da região, garantem a renda de muitas famílias.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.