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Leonardo Sakamoto

Diante de ameaças, MPF pede proteção ao Incra no Pará

Leonardo Sakamoto

20/09/2011 11h41

O Ministério Público Federal no Pará solicitou à Polícia Federal um contingente para acompanhar servidores do Incra que estão trabalhando em Anapu (PA). De acordo com o MPF, eles estão sendo ameaçados e hostilizados depois que começaram a fazer a revisão ocupacional em lotes de reforma agrária, solicitada pela própria instituição.

Em fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros – um deles na nuca – aos 73 anos. Ela foi alvejada numa estrada vicinal exatamente em Anapu. Ligada à Comissão Pastoral da Terra, Dorothy fazia parte da Congregação de Notre Dame de Namur, da Igreja Católica. Naturalizada brasileira, atuava no país desde 1966 e defendia os Programas de Desenvolvimento Sustentável (PDS) como modelo de reforma agrária na Amazônia. Dois dos fazendeiros acusados de serem o mandante chegaram a ser julgados e condenados. Ambos estão presos – um milagre em se tratando da região.

Segundo nota divulgada pelo MPF, o trabalho é necessário para evitar que madeireiros e grileiros continuem a ameaçar agricultores como os do PDS Esperança, idealizado por Dorothy e constantemente invadido para retirada ilegal de madeira. Os conflitos foram reduzidos depois que o Incra começou a revisão, mas há protestos ligados a madeireiros.

A mesma nota afirma que o prefeito de Anapu, Francisco de Assis dos Santos Sousa, enviou um ofício ao presidente do Incra apontando a situação de insegurança: "a revolta que está sendo criada por esses servidores coloca em risco sua própria integridade física e nós, que somos autoridade deste município, não podemos nos responsabilizar por sua segurança".

Em outras palavras: "estão atrapalhando por aqui. Depois que alguém aparecer morto, não digam que não avisamos".

O procurador da República Cláudio Terre do Amaral quer agentes da Polícia Federal deslocados para Anapu a fim de garantir a integridades dos servidores públicos até que seja completado o processo de revisão ocupacional. No ano passado, foi instaurado um inquérito a pedido do MPF para investigar os responsáveis pelo assédio aos agricultores para retirada ilegal de madeira de terras da União. Também foi instalada uma guarita na estrada que leva ao PDS Esperança, o que tem contribuído para impedir a saída de madeira serrada ilegalmente.

Felício Pontes, também do MPF-PA, me explicou que o PDS Esperança pode ser insignificante em tamanho, mas importante em termos de Pará. Não só pelo simbolismo representado por ser a terra defendida pela missionária Dorothy Stang, mas por conta do modelo diferenciado que ele representa. Em julho de 2010, o Pará se tornou o maior produtor de cacau do Brasil e o Esperança teria uma grande parcela de responsabilidade nisso.

De acordo com Felício, o programa é um oásis em meio a miséria local formada por grandes extensões de pasto e gado raquítico, mostrando que é possível garantir qualidade de vida à população e desenvolvimento econômico ao país, de forma sustentável e pacífica, com respeito aos recursos naturais.

Na área de um dos mandantes do assassinato da irmã Dorothy (Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida), hoje, há cobertura florestal com árvores de sete metros de altura. As famílias que produzem o cacau, orgânico, estão formando uma cooperativa. Já quem está trabalhando com gado e madeira na região está na miséria. Vale ressaltar que Bida foi flagrado com trabalho escravo pelo grupo móvel de fiscalização do governo federal, que libertou 13 trabalhadores rurais de seu pasto. Por conta disso, ele foi relacionado durante dois anos na "lista suja" do Ministério do Trabalho e Emprego.

Depois da morte de Dorothy, o MPF ganhou decisões judiciais sobre a questão da terra na região. Para tentar desestabilizar o PDS, grupos descontentes colocaram "toreiros" no papel de assentados para extrair e vender madeira. Os conflitos resultantes entre esses madeireiros e os assentados reais ganhou espaço na mídia nacional e internacional.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.